estava ainda com a face arregoada de sangue, vestido sobre a cama, resfolegando com muita ansiedade, gemendo com dores, e a cabeça um pouco elevada sobre um magro travesseiro muito comprido dobrado em três pelo vigário. Esperava-se o cirurgião. A filha teve um desmaio quando viu a cara ensanguentada do pai, à luz mortiça de uma vela de sebo numa placa de lata. D. Teresa, com a marta nos braços, disse ao irmão:
- Que miséria de casa! Pede luzes e água para se lavar aquele sangue.
E, assim que marta voltou a si, levou-a para o seu quarto - que a viria chamar quando o pai a pudesse ver. Queria retirá-la do espetáculo dos paroxismos.
Quando chegou a extrema-unção com o préstito clamoroso do bendito e o tilintar espacejado da campainha, marta carpia-se em altos gritos, e pedia que a deixassem despedir-se do seu pai.
Ela tinha ouvido dizer a uma das vizinhas que lhe invadiram a alcova: - quem lhe bateu, ó mulheres, não foi outro senão o Zeferino das lamelas. Juro que não foi outro. - esta afirmativa cravou-lhe no coração o remorso de ser ela a causa da morte do pai. Queda ir pedir-lhe perdão; rogava à sua amiga que pelas chagas de cristo a deixasse ir ajoelhar-se à beira do seu desgraçado pai. D. Teresa conteve-a, receando novo ataque de loucura; que esperasse que se fizesse o curativo; que o cirurgião não queria no quarto senão o barbeiro que lhe estava a rapar a cabeça.
Pouco depois chegava o tio Feliciano da quinta da retorta, onde residia assistindo às obras. Vinha aterrado. Disse ao Osório que já estava arrependido de comprar a quinta; que Portugal era uma ladroeira e um bando de facínoras; que se ia embora muito breve. E, entrando no quarto onde a sobrinha chorava, disse-lhe consternadamente que, se morresse o pai, fizesse de conta que tinha no seu tio um segundo pai.