Porém, quando ele escalava a ladeira barrenta que se precipita ao sopé do monte, desciam em saltos de bezerros mordidos por vespeiros os seus homens, num turbilhão, acossados pelo tiroteio da companhia do ex-sargento Lopes - uns barbaçudos que pareciam gigantes no topo da colina, e davam uns berros clangorosos imitantes a mugidos de bois. O dia de juízo!
O Gaspar arrepiou carreira e desfilou por uma várzea alagada que ia esbeiçar com o rio. Como a banda do alferes vermelhava ao longe, e a espada a prumo no punho lhe dava uma caracterização jeitosa e provocante para alvejar as espingardas, as balas sibilavam-lhe por perto, chofrando nos pântanos. Alguns homens perseguiam-no chapinando no lameiral, porque o chefe dos tabacos, o Lopes, dizia-lhes:
“Oh rapazes, vede se matais aquele diabo que é o cabecilha!” Os mais veleiros levavam-no esfalfado, cambaleando, atortemelado, quando o viram desaparecer de súbito entre uma espessa moita de plátanos. Daí a instantes, abeirando-se à ourela do rio, viram a barretina e a niza de saragoça sobre uns cômoros ervecidos; e, a distância de dez varas, aquele bêbedo imortal atravessava o rio a nado, numa tarde de Dezembro, com a espada nos dentes, e a banda a tiracolo.
- Ó alma do diabo! - dizia o patarro de monte Córdova, cevando a arma com zagalotes para lhe atirar. - vou matar aquele pato bravo!
E o mais novo dos quatro, um imberbe que tinha pai:
- Não lhe atire, ó tio patarro! É um velho, coitado! Não lhe vê os cabelos brancos? Aquele homem não se deve matar. Ele vai morrer afogado antes de chegar à outra banda. Verá. Que raio de amizade ele tem à espada! Aquilo é que é!
A meio do rio, onde a veia de água resvalava mais impetuosa, deixou-se derivar sem esforço de natação. Mal bracejava.