Depois, com forçado trejeito, estendeu o braço sobre uma banqueta de charão, em que assentava um tinteiro de cristal, e escreveu à esposa, neste teor:
«Prima Teodora e estimada esposa.
Passo bem de saúde; mas saudoso de ti. Não te tenho escrito, porque os negócios do Estado me levam todo o tempo. Mandei vir dinheiro de Bragança, para empresas de grande vantagem. Não te dê cuidado os meus gastos, que somos muito ricos, e não temos filhos. Até aqui vivemos miseravelmente; quando eu voltar a casa, quero que mudes de vida, prima. Hei-de reformar o nosso palacete de Miranda, e viveremos como nossos avós, com representação e comodidades próprias deste tempo. É preciso gozarmos a vida, que é curta. Não andes por lá a medir grão nem a tratar das aves. Entrega isso às criadas, e faze-te a senhora e fidalga que és.
Quanto ao mestre-escola, e à sua exigência do hábito de Cristo, devo dizer-te que o mestre-escola é um asno. Não respondo a tais cartas. Manda-o à tabua, e não admitas similhante palerma à tua conversação. Lembra-te que és uma Figueiroa, casada com um Barbuda.
Se receberes ordem minha, em mão de algum negociante de Bragança, paga o dinheiro que disser a ordem.
Não te lembres de infidelidades do teu Calisto. O primo Gamboa é um patarata sem juízo, que te diz essas coisas para te disfrutar.
Quando vier o recoveiro de Miranda, manda-me presunto, salpicões, e algumas ancoretas do vinho da Ribeira.
Teu muito afecto e extremoso
Calisto.»