Para distrair-se do suplício de alguns dias, Calisto Elói, sem consultar a esposa, entretinha-se a ajuntar os cabedais espalhados por mão de lavradores e a remir alguns foros, que somaram considerável quantia.
Teodora presenciava com sufocada ira as diligências do marido, e acautelava o saco das peças de duas caras, que trouxera de casa de seu pai, tesouro antigo na família de Travanca, trazido por seu bisavô, governador do Brasil. Era um dos soberanos gozos de Teodora adicionar mais uma peça de D. Maria e de D. Pedro III às mil e duzentas que seu bisavô reunira. Bem que o marido respeitasse sempre aquele pecúlio, Teodora receava muito que os respeitos de outro tempo não pudessem nada agora com ele, e dispôs-se a resistir a todo o transe ao sacrilégio.
Não carecia o morgado de lançar mão de alguma verba do património de sua mulher: tinha muito que explorar no propriamente seu, antes de alienar alguma das quintas; no entanto, quando a consorte abespinhada lhe disse que as peças eram dela, e não cuidasse ele que as havia de levar, Calisto encarou na mulher com tal enchente de ódio, e logo desprezo, que lhe voltou as costas para lhe não redarguir.
Daí em diante, nas quarenta e oito horas que o morgado se deteve em Caçarelhos, baldaram-se as tentativas conciliatórias de Teodora. Fechado no seu quarto, que ele desde a chegada fizera propriedade sua exclusiva, ou encerrado na biblioteca, onde escrevia monólogos saturados de lágrimas, em vão a esposa o espreitava pelos orifícios das fechaduras, e lhe assoprava suspiros dignos de mais humano marido.