Abriram-se as Câmaras.
A oposição espantou-se de ver o deputado por Miranda conversando muito mão por mão com os ministros. O abade de Estevães ousou perguntar ao seu colega, amigo e correligionário, de que rumo estava. Calisto respondeu que estava no rumo em que o farol da civilização alumiava com mais clara luz. O desembargador do eclesiástico redarguiu com admoestações benévolas. O morgado sorriu-lhe na cara veneranda, e disse-lhe:
— Meu amigo, abra os olhos, que não há martirológio para as toupeiras. As ideias não se formam na cabeça do homem; voejam na atmosfera, respiram-se no ar, bebem-se na água, coam-se no sangue, entram nas moléculas, e refundem, reformam e renovam a compleição do homem.
— Segue-se que está liberal? — perguntou o pávido abade. — Estou português do século XIX.
— Apostatou! — disse com pesar mui estranhado o padre. — Apostatou!…
— Da religião dos néscios.
— Mercês! — acudiu o abade.
— Sem direitos — retorquiu o sardónico Barbuda.
Não tornaram a falar-se, até um dia do ano seguinte em que o padre, despachado cónego da Sé patriarcal de Lisboa, aceitou o parabém e o sorriso pungitivo de Calisto Elói.
Na primeira votação importante para o ministério, Calisto Elói defendeu o projecto que era vital para o Governo, e fez-se desde logo necessário à situação. Orou, por vezes, com seriedade tal de princípios, que não servem para romance os seus discursos. Explicou a profissão da sua nova fé, respeitando as crenças políticas dos seus antigos correligionários.