A Queda de um Anjo - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 60 / 207

Natural coisa é que este sujeito, intangível às carícias do amor, seja severo e intolerante com as fragilidades do coração.

Aconteceu-lhe frequentar, uma noite por outra, a sala de um antigo desembargador do paço, que era pai de duas galantes senhoras, uma casada e outra solteira.

Soou aos ouvidos de Calisto Elói que uma das ilustres damas enodoava sua gentileza e prosápia, violando os deveres de esposa. Fez-lhe sangrar o coração honrado tão funesta nova, e comunicou ele o seu espanto e dor ao colega abade.

O abade desfechou-lhe na cara uma estralada de riso civilizado, e disse-lhe:

— Ora o morgado tem coisas! V. Exa. parece que caiu, há pouco, de algum planeta! Olhe que Lisboa não é Miranda, meu amigo. Se o morgado tem de espantar-se por cada caso destes que chegar ao seu conhecimento, a sua vida na capital tem de ser um permanente ponto de admiração!… Deixe correr o mundo…

— Que remédio! — atalhou o morgado — mas o que eu farei é sacudir o pó dos meus botins à porta das casas cuja desordem de costumes me escandalizar. Não voltarei a casa do desembargador Sarmento.

— Faça V. Exa. o que quiser; porém, consinta que eu reprove semelhante procedimento, por duas razões: seja a primeira, que o desembargador e a família receberam o Sr. morgado com cordial afecto; segunda razão, é que V. Exa. já não está em idade de perder a sua virtude seduzida por maus exemplos. Faça como eu: lamente as misérias dos homens, e viva com eles, sem participar-lhes dos defeitos; porque, meu nobre amigo, se a gente vai a rejeitar as relações das famílias, justa ou injustamente abocanhadas pela maledicência, a poucos passos não temos quem nos receba.





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