A estreia parlamentar de Calisto de Barbuda fez hiperbólico estrondo nos salões da aristocracia legitimista, que abriu suas portas ao esperançoso Berryer de Portugal.
Algum tempo se andou furtando o morgado às solicitadas apresentações. Impediam-no o natural acanhamento de provinciano e o afecto entranhado aos seus clássicos, que lhe eram o deleite das horas feriadas do dia, e dos serões do Inverno.
Como à força, fora ele uma noite ao teatro lírico, em companhia do abade de Estevães, que amava a música pelo muito amor que tinha à guitarra, delícias da sua mocidade, e consoladora da velhice, já saudosa do tempo em que o coração lhe gemia nos bordões do instrumento apaixonado.
Calisto inteirou-se do enredo da ópera, e assistiu em convulsões ao espectáculo, que era a Lucrécia Bórgia. Saiu da plateia frio de horror e protestou, em presença de Deus e do abade, nunca mais contribuir com oito tostões para a exposição das chagas asquerosas da humanidade. Rompeu-lhe então do imo peito esta exclamação sentida: Amici, noctem perdidi! Melhor me fora estar lendo o meu Eurípides e Séneca, o trágico! Medeia não mata os filhos cantando, como a celerada Lucrécia! As devassidões postas em música dão bem a entender que geração esta é! Brinca-se com o crime, abafando-se os gemidos da humanidade com o estridor das trompas e dos zabumbas. É um tripúdio isto, amigo abade! Quem sai do seio da natureza rude, e de repente se acha à lavareda destes focos das grandes cidades, é que atina com a providencial filosofia destas tramóias de teatros!