— Eu tenho os meus livros — acudiu Calisto.
— E os seus livros, as suas crónicas, os seus clássicos gregos e latinos não lhe contam enormes desmoralizações? V. Exa., que leu a vida romana em Tácito, e Apuleio, e no Festim de Trimalcião de Petrónio…
— De qual Petrónio? — interrompeu o morgado. — Foram doze os Petrónios em Roma, e todos escreveram com mais ou menos despejo.
— Pois melhor. Se V. Exa. leu doze, eu li um, que era o ecónomo, ou árbitro dos prazeres de Nero, e este me bastou para edificação do meu espírito. Pois, se o meu amigo pode ler sem horror as infâmias das saturnais, e os mistérios da deusa Bona, e quejandas protérvias dos antigos tempos, como pode espantar-se do que ouve dizer da filha do desembargador Sarmento, que, afinal de contas, pode estar inocente do crime que lhe assacam?! Não a vê V. Exa. filha cuidadosa, mãe estremecida, e esposa honesta na aparência? Já a ouviu defender teses da moral do adultério? Que lhe importa a V. Exa. o que se passa lá na vida particular da mulher?
Calisto deteve-se breves instantes com a resposta, e disse:
— Acho-lhe razão, Sr. abade, não tanto pelo que disse, como pelo que não disse. As pessoas de vida impoluta devem acercar-se daquelas que prevaricam. Lá vem uma hora em que o conselho é tábua salvadora… Quem sabe se eu terei predestinação de desviar aquela senhora do caminho mau?!…
— É verdade — assentiu o abade; — mas é justo e urbano que V. Exa. não vá interrogá-la sobre coisas do foro íntimo.