Clara conseguiu afinal dominar o enleio dos primeiros instantes e, dirigindo-se a Pedro:
- Então isto faz-se? - disse ela, ainda não de todo serenada da primeira confusão, e descendo e apertando nos punhos as mangas da camisa, que tinha arregaçadas. - Trazer assim uma visita, sem dizer nada à gente!
- É meu irmão - dizia Pedro sorrindo.
- Que tem que seja? Não é para assim vir ter com uma pessoa, que anda cá no seu trabalho. E sem fazer barulho, então! Ora sempre!
- E, ao dizer isto, lançava para o noivo um olhar que, tentando ser de repreensão, só conseguia enlevá-lo.
- Olhe, Clarinha - disse Daniel adiantando-se, e dando às palavras o tom de amigável familiaridade. - O culpado fui eu.
Mas, que quer? é costume antigo que tomei. Quando era rapaz, gostava já muito de ouvir os rouxinóis que cantavam nos laranjais da nossa casa; mas eles, percebendo-me, calavam-se. Sabe o que eu fazia então? ia-me devagarinho, pé ante pé, até onde eles estavam, e lá me ficava a ouvi-los cantar horas e horas. Foi o que fiz agora.
A lisonja não desagradou de todo a Clara, que respondeu, gracejando:
- Os rouxinóis já não cantam neste tempo.
- Mas cantam outras vozes, tão sonoras, como as deles e mais felizes ainda; pois nem as fazem calar as neves do Inverno, nem os ardores do estio. Era uma dessas que nós parámos a ouvir.
Clara, sentindo-se pouco à vontade para responder ao galanteio, disfarçou, afastando-se como para regar as flores de um alegrete vizinho.
Pedro aproximou-se dela.
- Nunca mais - murmurou-lhe a rapariga ao ouvido - tornes a fazer uma destas, Pedro. Também não sei como a Guida vos deixou entrar assim. Eu lho direi.
- Ora vamos, Clara - disse Pedro, auxiliando-a na tarefa da rega - não vás agora ralhar com a Margarida, que mais embaraçada ficou ela ainda do que tu.