- Sim?! Pois aí está, vês? Não tinha razão para isso. A Margarida é outra coisa. O Sr. Daniel não falou ainda com a Margarida?
- continuou Clara, já mais senhora sua, e fazendo uso desimpedido do olhar, que fitou no interpelado. - Ela é que saberia responder bem. Quando quer, sabe dizer coisas... Até o Sr. Reitor, muitas vezes, não tem que lhe responda. O Pedro que diga.
Pedro fez sinal de assentimento.
Este duo em honra de Margarida não causou grande impressão em Daniel, que continuava a fitar Clara, com persistente atenção, encantado pelo timbre daquela voz, por aqueles movimentos, cheios de graça e vida, e pela inimitável expressão do olhar, meio de bondade, meio de malícia, que ainda a branda claridade da Lua fazia realçar o seu fulgor.
A conversa tomou, pouco a pouco, familiar e jovial carácter de intimidade. Só, alguma vez, uma frase mais cortesã de Daniel vinha tirar a Clara a frieza de ânimo necessária à resposta - isto com grande estranheza sua, pois não se tinha por demasiado tímida.
- Pobre João Semana! - dizia Clara em um dos seus momentos de malícia. - Quem mais o chamará agora, depois de haver na terra médico novo?
- Está enganada - respondeu Daniel - ; quando mais ninguém o chamasse, teria por si a melhor de todas as freguesias, a das raparigas.
- Agora! E então porque o haviam de querer?
- Porque os médicos novos têm o mau costume de desejarem saber das doenças do coração e dessas não se querem elas tratar.
- Não sei porque não; pois não são tão perigosas? Eu sempre ouvi dizer que se morria disso.
- Se se morre?! Morre-se a todo o momento até. Mas, pelos modos, é um morrer, de que se gosta.
- Deixe lá; sempre é morte, não pode ser muito boa.
- Ora! Morre-se a cantar:
Dá-me a vida com teus beijos
Já que por beijos morri.