As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 16: XVI Pág. 105 / 332

- Não era assim que dizia?

Clara não pôde suster o riso e Pedro fez coro com ela.

- Ora, responda: se o médico tomasse a receita a sério, e quisesse dar a vida à sua doente?...

- Isso mais devagar.

- Aí tem; é por esse motivo que não é bom consultar os médicos novos. O João Semana é que não é capaz dessas tentações, julgo eu... E que as tivesse...

Tal foi a feição predominante do resto do diálogo, que só terminou quando a Lua já ia alta no firmamento, com toda a pompa de um desanuviado plenilúnio.

- Sabes tu - dizia Daniel ao irmão, quando, juntos, se retiravam - que não podias escolher mais galante noiva? Em toda a aldeia decerto que não há outra que se lhe ponha a par.

Isto foi dito na rua, mas próximo da porta do quintal, onde se demorara Clara, a cujos ouvidos chegaram distintamente estas palavras de Daniel.

Se elas lhe poderiam ser indiferentes, pergunto eu às leitoras bonitas? Sendo sinceras comigo, não se atreverão a condenar este sentimento de vaidade, que moveu o coração de Clara. Se a vaidade constituísse pecado capital, talvez que certa particularidade do paraíso muçulmano tivesse sua razão de ser.

Clara era pouco reservada.

Tudo quanto sentia, fossem tristezas, fossem alegrias, vinhalhe do coração aos lábios, por um movimento de expansão irreprimível.

Procurando pois a irmã, contou-lhe tudo quanto lhe dissera Daniel, o que ela lhe respondera, e, finalmente, as últimas palavras, que lhe havia escutado.

Margarida não foi senhora do seu coração a ponto de não sentir certa amargura, ao comparar a intensidade da impressão produzida por sua irmã no ânimo de Daniel, que pela primeira vez a via, à indiferença com que ela fora desatendida - ela, por quem deviam falar tantas memórias do passado.





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