João Semana; é cá a nossa vida.
- Quanto te levou o boticário pelo remédio?
- Seis vinténs.
- E... Diz-me: mataste hoje a galinha para tua mãe?
- Dei-lhe o resto da de ontem.
- E para amanhã?
- Para amanhã...
E a rapariga calava-se, embaraçada e triste.
João Semana tossiu para desimpedir a laringe de um pigarro importuno e pôs-se a olhar atentamente para um tronco de árvore, que lhe ficava à direita, como se lhe achasse o que quer que fosse extravagante.
Durante este tempo, mexia nos bolsos do colete e depois nas algibeiras das calças; em seguida, olhando em roda, como se receasse ser observado, curvou-se sobre o pescoço da égua e introduziu uma moeda de prata na mão da pobre rapariga, dizendo-lhe com modo rápido e desabrido:
- Toma lá. Olha agora se te pões por aí a dar à língua, como costumas. Aflige bem tua mãe, aflige!
A rapariga não teve uma só palavra com que lhe agradecer.
Quis-lhe tomar as mãos, para beijá-las; João Semana furtou-lhas rapidamente, dizendo-lhe com simulada aspereza:
- Larga, larga. Não me venhas com essas imposturas, que eu não sou para isso.
O melhor dos agradecimentos tinha-o ele nas lágrimas, que desciam pelas faces da pobre, na expressão de entranhado afecto, que lhe animava o olhar.
O velho cirurgião sabia compreender estas coisas, apesar das aparências de homem endurecido, de que fazia ostentação.
Ao afastar-se do lugar da cena que descrevemos, dizia ele para si:
- Excelente vida! Lucrativa clínica! Rendeu-me esta consulta, na verdade! Quem não há-de fazer casa assim?
Estava o bom homem a fingir de interesseiro consigo mesmo!
Dentro em pouco tinha-se esquecido do que praticara.
Mais adiante, esperava-o um lavrador robusto, sentado na soleira da porta, a comer uma fêvera de bacalhau.