e eu lhos furtei, inventando depois nós ambos uma história muito comprida de ratoneiros, a qual não deu pouco que fazer ao regedor?
- Sempre foi uma, essa! E o vigário foi quem mais se zangou com a graça. E daquela vez que o menino entornou o tinteiro por cima do livro dos assentos do Sr. João Semana?
- Ai, é verdade. Por sinal que você depois disse-lhe que foi o gato.
- E, coitado, foi ele o que pagou. Levou uma sova mestra! O pobre bichano não podia adivinhar porquê.
- É provável que ele não perdesse muito tempo a investigar a razão do facto. Foi bem mais razoável, fugindo.
- O menino era um traquinas! Era uma coisa por maior.
- Há-de lembrar-se sempre com saudades, Joana, de quando se cozia o pão cá em casa e eu vinha, ao sair da aula, buscar o bolo, que você me guardava no forno. Lembra-se?
- Ora, como se fosse hoje. E daquela tarde em que o menino foi beber água fria logo por cima? Ai, nem quero que me lembre! Sempre teve uma cólica! O meu amo parecia que me matava.
- Que bons tempos esses, Joana!
- Se eram! Agora já o menino não quer da nossa fruta, nem do nosso bolo. Quem sabe se no-lo comerá por outra forma?
- Como?!
- Recebendo algumas das medidas e avenças que, até agora, eram só do Sr. João Semana - disse a criada, com ciúme renascente.
- Está doida, Joana? Nem seu amo tem receios de que eu lhe faça mal, nem eu vontade de lho fazer. Graças a Deus, eu não preciso para comer de andar a furtar o pão daquele que tantas vezes e de tão boa vontade mo oferecia. Para o ajudar, isso sim, estou pronto, que não é pouco pesada a cruz que ele traz.
- Não é, não, menino! - exclamou, já sensibilizada e reconciliada de todo com Daniel, a velha criada. E suspirando, continuou:
- Aquilo é um negro de trabalho.