O exemplo beliscou o amor próprio do Sr. João da Esquina, que redarguiu com despeito:
- Muito obrigado pela notícia. Isso talvez anime a gente da Áustria ou certos doutores que eu conheço, e que pensam que um homem é como qualquer animalejo dos tais, e que pode andar a quatro como eles também. Eu por mim...
- Mas aí tem outro exemplo - continuou Daniel. - Em certas partes da Alemanha há povoações inteiras, nas quais o arsénico é comido com um prazer excessivo.
- Pois que se regalem.
- Mas olhe que é facto. São verdadeiros toxicófagos esses povos.
- Eu logo vi que haviam de ser assim uma coisa; homens é que...
- E então as pessoas novas e, ainda mais, as raparigas são as que usam dele com avidez, e o que é certo é que conservam assim um ar de mocidade, uma frescura, uma nutrição e uma força que, segundo a frase dos autores, parece que lhes permite voar.
- Para o outro mundo?
- Não, senhor. É verdade isto que eu lhe digo.
- Eu já sei, eu já sei que, para o senhor, pão e arsénico deve ser tudo a mesma coisa. Mas eu por mim...
- Porém sossegue, eu não quero obrigar o meu amigo a jantar arsénico, aplico-lho apenas como medicamento e com as devidas precauções...
- Escusa de se dar a esse trabalho. Disso o dispenso eu. É coisa que me não há-de entrar na boca. Arsénico! Que tal está!
- Mas esse receio é indigno de um homem de coragem; permita- me que lhe diga.
Neste tempo tinha entrado na loja, onde se passara o diálogo, a cara metade do Sr. João da Esquina, a Sr.ª Teresa de Jesus, gorda e rubicunda matrona, que saudou Daniel com sorrisos amáveis, e disse para o marido, com a voz mais melodiosa deste mundo:
- Toma arsénico, menino, toma. E porque não hás-de tomar arsénico?
O Sr. João da Esquina fitou na mulher um olhar sombrio.