No fim desta primeira estância, José das Dornas, como que atordoado, levantou os olhos para João da Esquina; mas viu-o tão sério, que continuou:
Trigueira! Se tu soubesses
O que é ser assim trigueira!
Dessa ardilosa maneira
Porque tu o sabes ser;
Não virias lamentar-te,
Toda sentida e chorosa,
Tendo inveja à cor da rosa
Sem motivos para a ter.
- Ó vizinho, mas isto... - ia a dizer José das Dornas, que principiava a suar.
Um gesto do tendeiro obrigou-o a prosseguir:
Trigueira! Porque és trigueira,
É que eu assim te quis tanto.
- Repare, Sr. José - observou do lado João da Esquina. - «É que eu assim te quis tanto.» Vá reparando.
José das Dornas abriu muito os olhos para reparar e continuou:
Daí provém todo o encanto,
Em que me traz este amor.
- «Este amor», repare, vizinho, «este amor!» - tornou a dizer João da Esquina e José das Dornas tornou a abrir muito os olhos, repetindo sem saber para quê:
- «Este amor...» é verdade... «este amor...» Cá está.
E prosseguiu:
E suspiras e murmuras!
- É peta! - notou João da Esquina.
- Palavra de honra, que está aqui. «E suspiras e murmuras», Sr. João. Ora faça favor de ver.
- Não nego; quero eu dizer que... mas adiante, adiante.
José das Dornas continuou:
E suspiras e murmuras!
Que mais desejavas inda?
Pois serias tu mais linda,
Se tivesses outra cor?
José das Dornas começou a lançar para o vizinho um olhar inquieto; estava seriamente pensando que o homem endoidecera.
- Continue - disse-lhe o tendeiro.
E o lavrador continuou, suando cada vez mais:
Trigueira! Onde mais realça
O brilhar de uns olhos pretos,
Sempre húmidos, sempre inquietos
Do que numa cor assim?
Onde o correr de uma lágrima
Mais encantos apresenta?
E um sorriso, um só, nos tenta,
Como me tentou a mim?
- «Como me tentou a mim» - repetiu João da Esquina.