Esteve para surgir de entre o centeio e mostrar-se, aos enlevados personagens deste idílio infantil, severo e terrível, como o vulto gigante do Adamastor, nas estâncias do grande épico.
Pôde, porém, conter-se e constrangeu-se a observar a cena, com mal reprimido desagrado.
A pequena, que estivera por muito tempo inclinada sobre o livro, como a lutar com alguma dificuldade de leitura, que procurava vencer por si, acabou por fazer um gesto de impaciência, e, apontando com o dedo a palavra da dúvida, colocou a página diante dos olhos de Daniel, perguntando-lhe:
- Isto que quer dizer?
Daniel olhou por algum tempo para o livro, e afinal respondeu:
- Cataclismo.
- E que vem a ser cataclismo?
Daniel ficou embaraçado. A falar verdade, ele não sabia bem o que era cataclismo. Não teve coragem para o dizer francamente e titubeou:
- Cataclismo... sim... cataclismo é... Eu sei o que é... agora para to dizer é que... Cataclismo!...
O reitor, apesar da posição crítica em que estava, não deixou de se zangar lá consigo, ao ver um discípulo seu não poder desenredar- se de tais dificuldades filológicas.
Margarida, que era este o nome da pequena, adivinhou a causa da hesitação de Daniel e delicadamente lhe pôs fim, olhando outra vez para o livro e continuando a estudar em silêncio.
Daí a pouco voltou, porém, a consultar o seu pequeno mestre.
- E isto? Como se lê?
- Metempsicose - foi a resposta de Daniel.
- E o que vem a ser?
Desta vez o embaraço de Daniel era maior. Nunca ele soubera o que fosse metempsicose, e, como pela segunda vez se via pilhado em falso, perdeu a paciência. Saiu dos apertos, como alguns professores em casos análogos.
- Ora! isso é uma coisa que leva muito tempo a explicar.