Beba uma água de caldo, que isso passa-lhe. Ou serão vertigens? Olhe que não é outra coisa. Eu também as tenho e daquelas! Às vezes parece que se me parte a cabeça. É como se me trupitasse cá dentro um regimento de cavalaria. O que é muito bom para isso... sabe?
Não se pode calcular para que longa enumeração de receitas tomava fôlego a Sr.ª Joana, cujos conhecimentos terapêuticos a convivência com João Semana enriquecera, se Margarida a não interrompesse, dizendo-lhe da janela:
- Mas quem sabe lá se a inclinação do Sr. Daniel por essa rapariga é sincera?
E, ao dizer isto, passava a mão pela fronte, como se de facto a tivesse tomado uma vertigem.
- Boa! - exclamou Joana. - Sempre tem coisas! A menina então não sabe nem quem é o Daniel, nem a Chica do Esquina.
- Então ele é assim incapaz de gostar de alguém? - perguntou Margarida, com afectada indiferença.
- Ele? Ele gosta de todas. Lá por isso... Vá perguntar ao sobrinho do regedor, que viveu com ele quando andou lá no Porto a estudar para padre... e olhe que também saiu um padre!... de se lhe tirar o chapéu; não tem dúvida nenhuma... mas vá-lhe perguntar quem é o menino. Gosta da Chica!...
Neste ponto, a Sr.ª Joana fez um gesto, muito seu: fungou ruidosamente, torcendo o nariz, fechando o olho esquerdo e prolongando o lábio inferior - conjunto de sinais fisionómicos, que valia um discurso.
Em seguida continuou:
- Olhe que ele soube-me muito bem dizer, no outro dia, que só lhe fazia conta mulher que tivesse cem mil cruzados, e que a queria da cidade. E ia agora gostar da Chica? estava lindo! A menina está a ver.
Esta conversa torturava Margarida. Joana, sem o saber, era de uma crueldade inquisitorial. A sua loquacidade prometia longa duração, se as badaladas do meio-dia, na torre da igreja paroquial, a não viessem pôr em sustos de chegar a casa depois de seu amo.