- Ai, meio-dia já! Senhor me dê paciência! - exclamou ela, juntando as mãos. - E eu que tenho o jantar tão atrasado! Adeus, menina, adeus, sem mais.
E tomando, toda açodada, a capa que tinha pousado, e ajeitando à pressa o lenço engomado que trazia à cabeça, ia a sair, rosnando a oração meridiana:
- Bendita e louvada seja a hora, em que meu Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu e...
Mas ao transpor o limiar da porta, achou-se inesperadamente em frente de Clara, que a obrigou a parar.
Segundo o costume, vinham radiantes de alegria as simpáticas feições da irmã de Margarida.
Ao ver Joana, saiu-lhe dos lábios uma exclamação de prazer:
- Viva! Já não há quem a veja, Sr.ª Joana! Eu até principiei a rezar-lhe todas as noites por alma um Padre-Nosso e uma Ave-Maria.
Joana, a quem tanto quadrava este génio folgazão e descuidado de Clara, tinha por costume fingir, na presença dela, que o não podia sofrer; mas o jeito que, a seu pesar, lhe tomava a boca, inutilizava- lhe a dissimulação.
- Olhem os meus pecados! - disse ela voltando para a sala. - Inda mais esta! Boa te vai! Estou bem aviada!...
Clara pusera-se a olhá-la com atenção e espanto afectado.
- Então que tafularia é esta?! Lenço novo de cassa! Já reparaste, Guida? E arrecadas! Ai! Estou para morrer! O mundo perde- -se! Agora é que eu o digo.
- É para que veja - disse Joana, custando-lhe a manter a serenidade.
- Ó Joana, você irá casar-se?
- Olhem, olhem... ela aí vem com as suas tolices! Tenha juízo.
- Não, mas... sério, isto tem que se lhe diga... E penteada! Ai, e penteada!
- Que penteada? que penteada? Cuida que todas são como ela.
Sempre está uma mulher casada!
- Ainda não, se faz favor.
- Pobre do homem! Melhor sorte merecia aquele Pedro, que tão bom mocinho era.