- Antes creio..., isso sim, que o génio de cada um toma a feição da vida, que em criança se teve... Uma pessoa, afinal, é como uma árvore; enquanto nova é que se pode dobrar, que depois... Ali estão aqueles cedros que, de pequenos, Clara vergou em arco; ganharam essa forma e hoje já não se erguem direitos como os outros. É assim. Quem abriu os olhos e começou a pensar, sem ver grandes alegrias em volta de si, pode lá aprender a sorrir? As crianças então que tudo aprendem dos outros, a falar, a andar, a brincar... como não aprenderiam também a alegria ou a tristeza?
Nisto fizeram-na ir à janela algumas vozes infantis.
Eram quatro crianças quase nuas que rodeavam uma mulher, coberta de andrajos e macilenta. E elas, apesar da sua nudez e dos seus rostos pálidos, riam e brincavam em redor da mãe, que nem tinha pão para lhes dar.
À porta das duas irmãs estava sempre sentada a caridade. Não se fechou vazia ainda desta vez a mão da indigência, aberta a implorar ali. A pobre mãe chorava de gratidão ao retirar-se; as crianças brincavam ainda.
- Mas aí vão essas, que riem e brincam - pensava Margarida, vendo-as partir. - E que alegrias têm elas em volta de si?... Alegrias!
antes prantos e dores... Nunca eu senti o que elas sentem: a fome, o frio! e naquela idade, meu Deus! E riem! Então sempre é certo que é do berço, que nos vem este fadário da tristeza...
E calou-se por algum tempo, depois prosseguiu a meia voz:
- Pois sim, mas há uma riqueza que elas têm e eu não tive.
Aquele olhar da mãe. Não vi eu sorrir-lhes a mãe? Coitada! no meio da sua desgraça inda não desaprendeu a sorrir; precisa de risos para os filhos. É ver como eles olhavam para ela. É isso... deve ser isso...
E tornava a passear no quarto; depois, parando junto da janela do lado do quintal, continuou como antes:
- Deve ser isso, sim.