Daniel compreendeu a necessidade de angariar simpatias na assembleia, que o olhava desconfiada.
Principiou por distribuir cigarros por alguns dos circunstantes, que fumavam, e, chamando-os a cada um pelos seus nomes - para o que interrogava primeiro disfarçadamente Clara - a todos dirigiu um cumprimento, que algum tanto os abrandou.
Às velhas ofereceu uma animada descrição vocal da procissão das Cinzas, no Porto; descrição modelo, embora não primasse em exactidão, nem no número dos andores, nem na designação dos santos. No fogo do seu raptus inventivo, chegou a falar em um certo S. Macário, bispo, com grande espanto duma velha, cujas reminiscências da procissão dos franciscanos nada lhe diziam de tal santo.
Daniel inventou-lhe uma biografia, digna de Ribadaneira. As velhas abrandaram a acrimónia dos seus olhares.
E os rapazes? Para com estes experimentou Daniel a receita de Orfeu, para abrandar as pedras, tentou a música. Achou à mão 191 uma viola e tirou alguns arpejos e executou umas variações sobre motivos da cana verde, que atraíram a si as simpatias dos que tinham no coração verdadeiros instintos artísticos.
Para as raparigas não procurou arte de se fazer valer, porque estava ele persuadido - não sei se com fundamento - que quaisquer que fossem as aparências, não lhe deviam elas ter muito má vontade, sabendo-o um dos mais entusiastas admiradores do sexo.
Apesar de tudo, não se animava o serão. Reinava ainda certo constrangimento; a conversa fazia-se por grupos e em voz quase baixa, e mantinha-se, por assim dizer, desencadeada.
Os únicos a falarem alto, além de Daniel, que por muito tempo fez, como costuma dizer-se, a despesa de conversação, eram, às vezes, Pedro, José das Dornas e Clara.
Esta ria ao ver a dificuldade com que Daniel conseguia esfolhar uma espiga, enquanto ela aviava meia dúzia.