- Que desastrado! - dizia Clara. - Nesse andar tem que fazer.
- Então como é que se arranja esta coisa?
- Assim, ora repare. Pega-se num prego...
- Mas que é do prego?
- Então não sabia pedi-lo? Aí tem um. Mas pega-se num prego, e atravessa-se o folhido assim, e depois...
A execução substituiu o resto do preceito. Num momento estava a espiga esfolhada e na canastra.
- Está pronto - acrescentou Clara.
- Vamos a ver se eu sei - disse Daniel. - Seguro o prego; pronto... Atravesso o folhelho, ou folhido, ou lá o que é... Até aqui vai bem. E depois... e depois... e depois...
Esta repetição era devida à dificuldade que ele encontrou em executar a última parte da operação.
Clara não se fartava de rir e as outras raparigas riam também com ela. Algumas faziam ouvir o seu epigrama, com menos rebuços já.
Ainda assim, não se declarara abertamente a confiança, nem se generalizara a conversa. O que cada um tinha a dizer comunicava- -o ao vizinho mais próximo; este, se julgava a coisa digna de referência, transmitia ao imediato, de maneira que todos a vinham a saber, mas sucessivamente, e pouco a pouco, cada qual ria por sua vez, e sem aquelas súbitas, unânimes e estrepitosas manifestações 192 de alacridade, desafiadas por um bom dito, ao soar imprevista e simultaneamente aos ouvidos duma assembleia inteira.
Havia em todos vontade de modificar esta feição séria e retraída do serão; mas ninguém tinha coragem de empreender a revolta.
De mais a mais, nem uma só espiga vermelha aparecia a oferecer pretexto à realização deste desejo tácito de todos.
Clara foi a única, nestas condições, a quem sobraram ânimos para fazer alguma coisa decisiva. Levantando a voz argentina e sonora, que todos os presentes