As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 35: XXXV Pág. 250 / 332

A impressão, que neste momento experimentou Margarida foi tal, que quase a fez sucumbir.

Cedo porém a reacção daquela vontade enérgica, apesar de feminil, dominou a luta. Margarida continuou a observar. Daniel, ao princípio, foi grave e mostrou-se fiel à promessa que fizera; mas, pouco a pouco, influíram nele as condições singulares daquela entrevista. As palavras ganharam fogo e, em breve, animava-as já o entusiasmo impetuoso dos vinte anos. Esquecia-se que viera para justificar-se, e ia agravando a culpa.

Clara, escutando-o, não conseguiu disfarçar completamente a turbação que a dominava; mas foram sempre dignas da noiva de Pedro as palavras com que lhe respondia; assim a não traísse o tremor da voz, a ânsia do respirar e, mais que tudo, o facto de se achar ali, só, àquela hora da noite, embora lhe atenuasse o delito o pensamento de generosidade, que a animara a cometê-lo.

Mas os instintos nobres de Daniel só por momentos se deixavam adormecer com as insidiosas carícias da fantasia; pouco bastava para os acordar vigorosos.

Desta vez produziu esse efeito salutar a cantiga de Pedro.

Escutando-a ambos se sentiram arrependidos de se acharem ali. Viram claro toda a futilidade de motivos que, momentos antes, para eles justificavam de sobra este passo irreflectido, e curvaram a cabeça.

- É meu irmão - murmurou Daniel; - que fará por aqui a estas horas?

- Trazido talvez pela mão de Deus para... - disse, quase para si, Clara, no mesmo tom de voz.

- Adeus, Clara; perdoe e esqueça mais esta imprudência minha. Prometo-lhe que será a última. E de hoje em diante...

- Adeus.

Foi neste momento que Pedro os interrompeu pela primeira vez.

O resto já é sabido.

Quando, no momento em que Daniel saía, Clara reconheceu a voz do noivo, soltou um grito de terror, e fechando instintivamente a porta, caiu desfalecida na rua do quintal.





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