Estavam elas exercendo no seu coração o efeito de bálsamo salutar.
Margarida, depois de breve pausa, prosseguiu, como deixando- -se levar pela corrente dos pensamentos e, falando mais para si do que ainda para as crianças, que a escutavam:
- Cada alma perdida, que se arrepende, é uma vitória do nosso anjo da guarda sobre o espírito do mal. A paixão, que nos trazia cega, deixa-nos enfim, e calcamo-la então aos pés como aquela Nossa Senhora da Conceição faz à serpente tentadora. E nunca é tarde para o arrependimento. Quem caminhasse com os olhos tapados para o despenhadeiro, podia salvar-se ainda, abrindo-os junto da borda. Junto? às vezes até um ramo, a que nos seguremos na queda, nos pode salvar. A fé na misericórdia de Deus é como este ramo. Seja o arrependimento sincero e um olhar do Senhor nos amparará. Uma oração bem sentida, bem de alma, à borda do túmulo, pode chamar sobre uma vida inteira de pecados a luz do perdão divino.
Margarida dissera estas palavras pausada, serenamente, e com tanta unção religiosa, que Daniel sentiu-se comovido. Olhou para o reitor, viu-o atento, imóvel; o padre parecia estar escutando ainda aquela voz, que o prendia, como se pregasse doutrina nova e diversa da que tantas vezes ele próprio proclamara do altar à leitura dos Evangelhos.
Daí a alguns instantes, Margarida despedia-se das suas pequenas discípulas com um beijo e uma palavra afectuosa para cada uma.
Seguiu-se o rumor que elas faziam ao saírem tumultuosamente e depois o silêncio.
Margarida ficara só.
- Agora chegou a nossa vez de sermos doutrinados - disse o reitor para Daniel. - E esteja certo que é sã a doutrina que vier daquela boca.
Aproximando-se da porta de comunicação entre as duas salas, abriu-a de mansinho e disse, metendo a cabeça pela abertura:
- Licença para dois.