Mas não dê ao sacrifício mais valor, do que o que ele tem. Eu pouco tinha a sacrificar, além da paz da consciência. 
Essa, já vê que a conservei; o mais... 
- A paz da consciência! Foi essa mesma que eu perdi; e perdi-a para sempre! - disse Daniel, com abatimento. 
- Não diga isso - continuou Margarida, com a presença de espírito que, passada a primeira turbação, pudera readquirir. - Não diga isso. Pedro ignora tudo. É o principal. Clara está arrependida da sua imprudência. Mais alguns dias, para esquecer de todo o abalo da noite de ontem, e tornará a ser alegre como dantes. Sossegue pois. O Sr. Daniel há-de continuar a gozar da estima de todos, dos que mais ama e... ninguém haverá sacrificado. 
- Esqueceu-se de si, Margarida. E julga que a devem ou que a podem esquecer os outros? 
- Os outros? Quando eu me não queixo, ninguém tem o direito de me lamentar. 
Estas palavras saíram-lhe dos lábios como irresistivelmente e com uma amargura, que o reitor julgou perceber. 
- Ai, Margarida, filha - disse o velho meneando a cabeça dum modo expressivo e sorrindo entre afável e descontente - olha que até aos infelizes, até na desventura, é um pecado o orgulho; sabes? 
- Orgulho, Sr. Reitor? ai, creia que não o sinto. Orgulho de quê? Mas é que de facto eu pouco tinha a sacrificar, e pouco sacrifiquei. 
As vozes do mundo... - será orgulho isto, será - mas é certo que não penso no que dirão. Além de que, quando me fosse mil vezes mais custoso o sacrifício, como havia de evitá-lo? Achava melhor que a sacrificasse a ela, que tem mais a perder? a ela, por quem prometi velar, quando, às portas da morte, mo pediu, chorando, sua mãe? Bem vê que não. 
O reitor, de olhos no chão, alisava com a manga do casaco o chapéu, sem atinar palavras que respondesse.