Veja.
E mostrou o livro que lia. Era o dos Salmos.
O reitor bateu impetuosamente com a bengala no chão.
- Mas isso é indigno! isso é... é... Ora deixa estar que eu lhes vou falar...
- Não vá. Eu já esperava por isso. De que se admira? Porque as censura? Então não era da sua obrigação fazer o que fizeram?
- Margarida, isto é de mais! É preciso dar-lhe algum remédio, ou então...
- E aí voltamos à nossa demanda - disse Margarida, sorrindo.
- Não sabe já que não há melhor remédio a dar-lhe?
- Há-de haver; isso é que há-de haver por força, que to digo eu.
Tu estás a obrigar o teu coração a coisas, que não são para corações humanos. Hás-de acabar por o esmagares. Sabe Deus o que ele padece já!
- Ora diga, quando o coração padece, pode-se estar a sorrir, como eu? Vê?
E Margarida obrigava-se a sorrir.
- E as lágrimas de ontem? - prosseguiu o reitor. - E as de hoje? Terás coragem para, olhando bem para mim, me afirmares que ainda hoje não choraste, quando eu tas estou a ver nos olhos?
- É certo. Chorei.
- Ah!
- Mas de saudades. Cerrou-se-me o coração de tristeza ao pensar que me separavam daquelas crianças, que todas me queriam, que eu via crescer, que eu ensinava a falar. Mas... paciência! A tudo se costuma o pensamento e dentro em pouco...
- Nada, nada - continuou o reitor - não entendo eu isso de tal forma. Tudo tem seus limites. Isso agora bole-me com a consciência.
Eu vou perguntar a essa gente...
- O que lhe vai perguntar?
- O que significa este desaforo? Quero lançar-lhe em rosto os seus escrúpulos patetas e estúpidos. Olhem as presumidas!
- Não faça isso.
- Margarida, é um pecado levar as coisas tão longe. E cuidas que tua irmã, sabendo disto...
- Clara não o saberá.