Alentou-o esta ideia. Enquanto que Margarida recuava, ele, cada vez mais próximo, ia de novo repetir a súplica.
Neste momento as mãos, que o velho Álvaro conservava ainda cruzadas sobre o peito, desunidas agora pela morte, vieram cair inertes no leito, de cada lado do corpo.
A esta aparência de animação no cadáver, a este movimento inesperado como para separá-los, Daniel recuou, estremecendo, e Margarida soltou um grito, ocultando o rosto com terror.
Neste tempo abria-se com violência a porta da sala e aparecia no limiar a figura do pároco.
- Que é isto? - perguntou ele, ouvindo o grito de Margarida, e alternando o olhar inquieto entre ela, ajoelhada ainda, e Daniel, pálido e em pé, do outro lado do leito.
- É uma vida de tormentos que findou - respondeu Daniel, indicando o cadáver do velho.
Então o padre caminhou lentamente até junto do leito, onde um feixe de luz, entrando pela porta que ficara aberta, vinha iluminar a cabeça do morto; contemplou-a por algum tempo com tristeza; depois, ergueu os olhos e as mãos para o céu, e principiou com voz pausada e clara a recitar:
- Requiem aeternam donna ei, domine! Lux perpetua luceat ei. Requiescat in pace. Amen.
Cedendo à influência da voz, do gesto e da sincera compunção do reitor, ao recitar a oração mortuária, Daniel ajoelhara.
O reitor continuou por algum tempo rezando ainda em voz baixa. Depois dirigiu melancolicamente os olhos outra vez para a fisionomia serena do morto; consolou-o aquele reflexo de felicidade, que julgou perceber nela. Em seguida, voltando-os para Daniel e Margarida, que se conservavam ainda ajoelhados, suspirou.
Cedo porém veio um sorriso desanuviar as feições do pároco.
Ergueu novamente as mãos, como a invocar a influência do céu, e sem que os dois o pressentissem, cobriu-os com a sua bênção.