Guida, não me perdoará as loucuras deste sonho mau? Não mas perdoará em nome do passado? Fale.
Margarida não respondia.
- Diga, que devo eu fazer para adquirir de novo essa estima, que perdi? Peça-me sacrifícios, peça-me provas; mas não me feche assim de todo o coração. É generosa para com todos, e só para mim...
- Que quer? - disse Margarida, afastando com as mãos trémulas os longos cabelos negros, que se lhe haviam desprendido pelos ombros. - Que me vem pedir aqui? Para que vem lembrar- -me o passado que, primeiro do que eu, deixou esquecer? Deseja a minha estima, a minha confiança... Confiança em quê? No seu carácter?... bem sabe que não desconfio da nobreza dele; no seu coração? - e a voz tremia-lhe ao acrescentar: - ai, no seu coração...
para que deseja que eu me ocupe do seu coração, Daniel? Por piedade não me fale assim! Se soubesse o mal que me faz, se soubesse...
Ó meu Deus! eu a dizer isto e este cadáver a pedir-nos orações!
Daniel... Sr. Daniel, peço-lhe que me deixe rezar.
- E vai rezar com a alma cerrada aos sentimentos de piedade, Guida?
- Daniel! - repetia Margarida, quase suplicante.
Naquela posição, com aquele olhar, pronunciando-lhe assim o nome, tão sentida e singelamente, a simpática pupila do reitor acabou por dominar de todo o coração de Daniel.
- Margarida! - exclamava ele - não vê que essa desconfiança me mata? Por piedade!
Margarida julgou perceber não sei quê de sentido e de apaixonado na voz e no gesto, que a imploravam assim.
Olhou algum tempo para Daniel, irresoluta; ia talvez estender- -lhe a mão, ia revelar enfim o seu segredo de tantos anos; o mesmo pensamento porém, que a obrigara a guardá-lo até ali, fê-la recuar mais uma vez.
Mas Daniel tinha-lhe percebido já a hesitação; bastou-lhe um instante para convencer-se de que não era com a indiferença, que teria a lutar.