Clara foi direita à irmã. Trazia ainda no rosto toda a indignação causada por o que tinha ouvido a Joana e depois vira confirmado já. Tinham-lhe contado a ofensa que a irmã recebera aquela manhã, não lhe aparecendo discípulas; conservava ainda vermelhos os olhos de tanto que, por isso, havia chorado.
Chamando Margarida à parte, disse-lhe com voz trémula de raiva:
- Margarida, estou resolvida a acabar com isto. Não devo, não posso, não hei-de consentir que assim te percas por mim. Vou dizer tudo. Se tu és forte, eu também tenho forças; menos para isto, para te ver assim insultar, Guida, minha pobre Guida!
E as lágrimas saltavam-lhe dos olhos, ao abraçar a irmã.
- Cala-te, cala-te, não digas loucuras. Se soubesses?... Olha, já estou de bem com essa gente toda, essa pobre gente que é boa no fundo afinal, coitada. Ainda agora...
E Margarida contou, com sorrisos, toda a cena do largo.
- Pois sim - disse Clara depois de ouvi-la - mas ficarão suspeitosos; ouvirás ditos, viverás debaixo das desconfianças desses, que, todos juntos, te não valem, Guida; e isso não me deixaria sossegar.
Ora Diz-me se, por alguma coisa do mundo, aceitarias de mim um sacrifício tamanho?
- Quem sabe? - disse Margarida, fazendo por sorrir e depois acrescentou: - Outra coisa me aflige neste momento mais, bem mais, que tudo isso. Não sabes que morreu o nosso pobre amigo?
- Sei; soube-o de Daniel, que vinha de lá.
- Pois falaste-lhe? - perguntou Margarida, baixando os olhos por se lembrar da cena, que no capítulo antecedente descrevemos.
- Falei. Foi ele que me disse que tinha morrido aquele infeliz.
Fui-lhe rezar junto do leito. E lá, outra vez, aconselhou-me Deus que não abandonasse a minha ideia.
- Então que ideia tiveste tu? - perguntou Margarida.