Clara continuou:
- Guida, agora isto em mim é decidido. Ou tu aceitas o oferecimento de Daniel, ou eu digo tudo.
- Doida; nem me fales nisso.
- Agora, juro-te, pela salvação da minha alma, que é tenção firme, e que te não darei ouvidos, Guida.
- Clara!
- Juro-to.
- Queres fazer-me desgraçada?
- Quero fazer-te feliz.
- Matavas-me.
- À morte te estás tu a dar com esse teu génio, Guida. Esse teu bom coração consome-se assim. Queres fingir-te mais forte do que és. Escondes-te para chorar. E olha, quando se não chora, parece que as lágrimas nos caem todas cá dentro e queimam; e o padecimento é então de morte.
- Estás enganada, Clara; a gente costuma-se afinal a tudo, até à tristeza.
- Para que estás tu a mentir-me assim? Aprendi mais de ti nestes dois dias, do que em tantos anos, que te conheço. Dantes eu dizia como todos: - Esta minha irmã é feliz no meio das suas tristezas; vai tanto sossego naquela alma, que a vida para ela deve ser como um dormir de criança, em que se não fazem sonhos maus; mas ontem, ó Guida, como te vi eu ontem! Eu, que tenho esse génio forte, nunca me senti assim. Imaginei o que ia pelo teu coração naquele momento, minha boa irmã, e assustei-me! Mas inda isso não era nada. Que horas terão havido na tua vida de vinte e três anos, minha pobre Guida? o que terá ido lá por dentro, nesse coração, que não abres a ninguém?! Nem a mim, Guida, que precisei de adivinhar-to, se quis. É mal feito. Mas cada vez que penso nisto, cada vez que me lembro de quanto terás chorado, escondida, de quanto terás penado, calada, sinto quase que terror. Não era sem causa essa distracção, em que tantas vezes caías, e que me fazia rir. Que cega, que eu era, e que má, sem o querer ser, ao rir assim! Quantas vezes estarias tu sofrendo, como eu nem penso que se sofra, e eu a rir-me! Perdoa-me, Guida, perdoa-me aquela maldade; mas bem vês que eu não te conhecia bem.