As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 7: VII Pág. 40 / 332

Lisonjeada, pois, com a descoberta, sentiu Clara desejos de se fazer apreciar mais do que pelos olhos, de cujo conceito ela não podia já duvidar.

Elevou para isso a voz e numa toada conhecida, numa dessas eternas e popularíssimas músicas da nossa província, das que mais espontaneamente entoam as lavadeiras nos ribeiros e as barqueiras aos remos, cantou a seguinte quadra:


Ó rio das águas claras,
Que vais correndo p’ro mar.

Na pausa que, segundo as exigências da música, se faz ao fim dos dois versos, Clara torceu a roupa que estava lavando, e lançou, com disfarce, os olhos para o lugar, onde Pedro a escutava; depois concluiu:


Os tormentos que eu padeço,
Ai, não os vás declarar.

Pedro efectivamente estava recebendo com prazer o timbre agradável daquela voz feminina; sentiu em si comoção estranha, visitou-o a musa rústica, e atirando-se com vontade ao trabalho, elevou também a voz, já tão conhecida por todos os frequentadores de arraiais e esfolhadas, e respondeu:


Não declara que não pode,
E não tem que declarar.

Na pausa olhou também para o lado onde estava Clara, a qual ria ocultamente com as companheiras, que eram todas ouvidos. A luva fora levantada e principiava o certame. O momento era solene! Pedro terminou:


Pois quem, como tu, é bela,
Não pode ter que penar.

Um murmúrio de aprovação se levantou do conclave feminino.

A reputação de Pedro não fora desmentida desta vez ainda. Mas Clara não era menos repentista. Tinha fama de nunca haver cedido o passo nestas pugnas incruentas, mas renhidas. É verdade que, no caso presente, o contendor era de respeito; ela porém aventurou- se e não fez esperar a resposta:


O que eu peno ninguém sabe,
Ninguém o pode saber,
Porque eu peno e não me queixo,
Em segredo sei sofrer.





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