um ar de afabilidade e de meiguice tal, que nem avultavam essas pequenas incorrecções, só reveladas a exame minucioso e indiferente; mas a primeira, a grande invencível dificuldade era conservar esta precisa indiferença ao vê-la. Os olhos, sobretudo, negros como poucos, sabiam fixar-se com tanta penetração e bondade, que, só a contemplá-los, esquecia-se tudo o mais.
Não possuía um desses tipos fascinantes que atraem as vistas; era fácil até passar por ela, desatendendo-a; mas, fitada uma vez, o olhar deixava-a com pena, e a memória conservava-a com amor. A boca tomava-lhe naturalmente uma expressão de triste meditar, entreabrindo-se-lhe, de quando em quando, os lábios por uma dessas mais profundas inspirações, que dissimulam um suspiro.
Clara aproximou-se da irmã sem ser pressentida e sentou-se junto dela.
O grupo gracioso, que ambas formavam assim, tentaria qualquer artista que o visse.
A aparência jovial de Clara fazia realçar, pelo contraste, o vulto melancólico de Margarida. Naquela, tudo eram reflexos de desanuviada alegria interior; nesta, difundia-se incessantemente uma dessas meias sombras, como as que produzem as pequenas nuvens brancas que, sem ofuscar inteiramente a luz do Sol, lhe mitigam contudo um pouco o resplendor dos raios.
Clara tomou as mãos da irmã, sem romper o silêncio.
- Que tens tu, Clara? - perguntou-lhe Margarida. - Não sei que te leio hoje nos olhos. Desconfio que me vais dizer alguma coisa.
- E vou.
- E parece ser de importância, ao que vejo; estás tão séria! - acrescentou Margarida, sorrindo.
- É que é deveras sério e muito sério o que te vou dizer.
- Então?
- Querem-me casar.
- Ah!
- E olha, Guida, eu julgo que o meu noivo é um bom rapaz... mas... sempre queria saber o que tu pensas dele, e se merece a tua aprovação.