José das Dornas não podia avaliar ao certo o género e grau de dificuldade que vencera o filho; mas entendeu, lá de si para si, que fora alguma coisa de heróico e nesse dia não pôde deixar de olhar para o rapaz como se ele tivesse no rosto o que quer que fosse estranho - a auréola dos predestinados para grandes coisas.
- E então, Sr. Reitor - perguntou ele um dia ao mestre - o pequeno vai bem?
- Optimamente. O Sulpício para ele é já como uma água de unto. Qualquer dia passo-o para o Eutrópio, e dentro em pouco para o Cornélio.
Estas sucessivas passagens do Sulpício para o Eutrópio e do Eutrópio para o Cornélio impressionaram profundamente José das Dornas.
Lá lhe pareceu aquilo uma façanha ginástica admirável.
- Faremos dele um padre, Sr. Reitor?
- Que dúvida! E um padre às direitas.
Ora aqui é que o bom do pároco se enganava, como, pouco tempo depois, ele próprio reconheceu.
Foi o caso que, aí por volta de um ano depois que o Daniel principiara os estudos - tinha ele então doze para treze anos - começou o reitor a observar que o rapaz lhe vinha um pouco mais tarde para a lição. Ao princípio, eram cinco, dez minutos, um quarto de hora de diferença. Depois cresceu a demora a vinte, vinte e cinco minutos, meia hora, e o padre pôs-se a parafusar.
- Já me não vai parecendo bem a história. Dar-se-á caso que o rapaz me ande por aí a garotar? Se eu o sei! E então que ia tão bem! Deixa-o vir, que eu sempre hei-de querer saber o que isto é.
Nada, não vamos assim à minha vontade. Deixa-o vir.
Se bem o pensou, melhor o fez. Chegou o pequeno, todo ofegante e suado, como quem viera às carreiras, e o reitor, fitando-o com olhar severo e penetrante, disse-lhe, antes de lhe dar as bênçãos, que ele, de chapéu na mão, lhe pedia:
- Olha cá, Daniel; donde vens tu a estas horas?
O rapaz fez-se vermelho como um lacre, e não atinou com a resposta.