- Ah! é o Sr. Reitor? Não dormia, não...
- Então?
- Pensava.
- Em quê?
- Em quê! E falta-me em que pensar? Na minha vida passada e na futura, que está próxima já.
- O passado - disse o reitor sentando-se do outro lado da mesa e sem desviar os olhos do velho Álvaro - é um sonho, que se sonhou. E quando dele, felizmente, não ficaram remorsos, que peçam reparações, arrependimentos, ou... penitências, perde-se muito tempo, a pensar nele assim. Da vida futura... bom é ter dela sempre o pensamento, decerto, mas quem sabe lá quando nos está próxima?
- Sei-o eu. Há dois dias que me sinto fraco, muito fraco. Nem já pude sair para, como costumava, ir ver o pôr do Sol lá acima, dos degraus da capela do Calvário.
- Isso lá... todos nós temos dessas fraquezas, sem causa. Há dias assim. E então desanima por isso?
- Desanimar! - replicou o velho, sorrindo tristemente. - E que ânimo tenho eu ainda para perder? Há muito que ele me falta na vida. Bem vê - continuou, apontando para Margarida - que tenho precisado de um braço para me sustentar.
- Grande ânimo tem o que sai das grandes provações com a cabeça levantada. Para que se faz cobarde, diante de quem lhe conhece e admira a coragem? A Cristo, também houve uma mulher, que lhe limpou o suor da fronte vergada; e mais era um ânimo divino, aquele.
- Não, eu não sou forte - continuou o velho doente. - Colocado, como estou, entre a morte e a vida, receio-me de ambas. Desfalece- me o alento diante das provações continuadas de uma; assusta-me a incerteza, o desconhecido da outra. O meu coração é muito da terra para poder ser forte. Os meus olhos ainda se não secaram para as lágrimas. . .
- Bem-aventurados os que choram! - redarguiu o reitor.
- Como me não há-de assustar a vida se há muito que, onde busco a consolação, encontro só o desespero? - continuava o enfermo.