A Queda de um Anjo - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 66 / 207

— Piores do que estas, Sra. D. Catarina, minha senhora, piores referências do que estas lhe faz a voz do mundo.

— A mim?

— À fé! que sim! Dou-lhe em penhor da verdade a minha honra.

— Mas — interrogou irada e rubra de despeito a dama — que ousadia a de V. Exa. falar assim a uma senhora que apenas conhece!… Olhe que essas liberdades de província não se usam cá em Lisboa.

— Não se moleste assim, minha senhora — tornou Calisto. — Respeito tanto V. Exa. quanto estimo seu venerando pai. O atrevimento é grande, maior será a magnanimidade de V. Exa. em perdoar-mo. Lágrimas de velho e de pai dão estranho ousio. Desgraças sobranceiras incutem alentos destemidos nas mais fracas almas. No propósito de conjurar a tormenta, que se encapela e ameaça de soçobrar a felicidade de uma família ilustre, é que eu, Sra. D. Catarina, me afoitei a ser o advogado espontâneo do bem de todos.

— Agradeço o zelo, mas agradecera-lhe mais a discrição — disse D. Catarina; e, retirando-se, fez uma cerimoniosa mesura a Calisto. Não voltou mais à sala a dama. O desembargador não desfitava olhos de Calisto Elói, que se assentou meditativo no mais assombrado do recinto.

Erguera-se do voltarete o abade de Estevães, e abeirou-se dele, dizendo:

— Desconfiei que V. Exa. estava missionando a dama… Amoleceu-a?

Calisto ergueu a fronte, enclavinhou os dedos nas mãos sobre o peito consternado, e murmurou:

— Agora acabo de entender o meu padre Manuel Bernardes.





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