As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 26: XXVI Pág. 182 / 332

Eu sei que para cirurgião devia ter mais juízo, devia; mas, ora!... hoje em dia, já se não repara nessas coisas. E depois ele é uma criança e se a Chica lhe não desse trela... estou que se não atreveria a... Em todo o caso, menina, sempre é bom trazê-lo de olho. Aquela cabeça, benza-a Deus, não vale grande coisa, não. Sempre assim foi. Como a Clarita lhe casa agora na família, é natural que ele venha por aqui. Cautela! menina. Eu bem sei que com certa gente não faz ele farinha, mas...

Afligia-a a leviandade de Daniel.

Estava-lhe, pois, destinada a cruel provação de um desengano destes?

As almas delicadas, como a dela, sofrem intensamente, sempre que vêem projectar-se uma sombra na imagem daqueles, a quem as suas afeições iluminavam de ideal. Ver abaixar-se à região das paixões menos elevadas e nobres, o coração que se tinha costumado a fantasiar, palpitando só de generosos instintos, é para as ferir de desalento ou para as atormentar de desespero.

Joana continuava:

- A menina ri-se! É o que eu lhe digo. Não lhe dêem muita confiança.

Não, que ele tenha mau coração. Credo! Conheço-o de pequeno. Aquilo não faz mal a uma pomba; mas enquanto ao mais... O padre Santo António nos acuda! Eu digo que se eu fosse rapariga... Mas... que tem que está tão falta de cor, menina? Não está boa?... que sente?

- Nada - respondeu Margarida, procurando mostrar-se tranquila.

- Não tenho nada. É que está aqui muito abafado...

E, levantando-se, caminhou para a janela, a disfarçar a sua perturbação e a aspirar o ar mais livre, que chegava dali, batido pela folhagem das árvores.

- Não que olhe que sempre hoje está um calor! - disse Joana.

- Mas isso também há-de ser debilidade. A menina foi sempre de pouco comer.





Os capítulos deste livro