As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 37: XXXVII Pág. 265 / 332

Mas não dê ao sacrifício mais valor, do que o que ele tem. Eu pouco tinha a sacrificar, além da paz da consciência.

Essa, já vê que a conservei; o mais...

- A paz da consciência! Foi essa mesma que eu perdi; e perdi-a para sempre! - disse Daniel, com abatimento.

- Não diga isso - continuou Margarida, com a presença de espírito que, passada a primeira turbação, pudera readquirir. - Não diga isso. Pedro ignora tudo. É o principal. Clara está arrependida da sua imprudência. Mais alguns dias, para esquecer de todo o abalo da noite de ontem, e tornará a ser alegre como dantes. Sossegue pois. O Sr. Daniel há-de continuar a gozar da estima de todos, dos que mais ama e... ninguém haverá sacrificado.

- Esqueceu-se de si, Margarida. E julga que a devem ou que a podem esquecer os outros?

- Os outros? Quando eu me não queixo, ninguém tem o direito de me lamentar.

Estas palavras saíram-lhe dos lábios como irresistivelmente e com uma amargura, que o reitor julgou perceber.

- Ai, Margarida, filha - disse o velho meneando a cabeça dum modo expressivo e sorrindo entre afável e descontente - olha que até aos infelizes, até na desventura, é um pecado o orgulho; sabes?

- Orgulho, Sr. Reitor? ai, creia que não o sinto. Orgulho de quê? Mas é que de facto eu pouco tinha a sacrificar, e pouco sacrifiquei.

As vozes do mundo... - será orgulho isto, será - mas é certo que não penso no que dirão. Além de que, quando me fosse mil vezes mais custoso o sacrifício, como havia de evitá-lo? Achava melhor que a sacrificasse a ela, que tem mais a perder? a ela, por quem prometi velar, quando, às portas da morte, mo pediu, chorando, sua mãe? Bem vê que não.

O reitor, de olhos no chão, alisava com a manga do casaco o chapéu, sem atinar palavras que respondesse.





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