As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 41: XLI Pág. 310 / 332

- Que aconteceu, Margarida? - perguntou ele, olhando com atenção para aquelas feições, que recordava-se já ter conhecido na infância, e agora duplamente realçadas pela poesia dos vinte anos e pela poesia da tristeza. - O que a assusta assim?

- Venha, venha - respondeu Margarida; - foi Deus, que o trouxe aqui! - E tomando-lhe a mão por um movimento, ao qual a menor vacilação de suspeita não alterava a firmeza, conduziu-o à cabeceira do moribundo.

- Veja! - disse ela então, deixando a mão de Daniel - e salve-o, se puder.

A agonia de morte, com que naquele momento lutava o ancião, não permitia conceber esperanças; um simples olhar revelou a Daniel toda a verdade.

- Salvá-lo?! - murmurou, sorrindo tristemente e apalpando- -lhe o pulso, quase sumido.

- Aliviá-lo ao menos! - disse Margarida. - Pois não haverá nada, que lhe diminua esta ânsia?

- As suas orações, talvez, Margarida. Tente.

Margarida caiu logo de joelhos, e com as mãos erguidas e os olhos, donde lhe corriam as lágrimas, fitos no rosto do agonizante, murmurou uma prece fervorosa.

Daniel, em pé, do outro lado do leito, contemplava-a com afecto.

Não havia muito tempo que, naquele mesmo lugar, ele tinha visto Clara; mas que diversa e mais profunda era a sensação que recebia agora!

A dor, a compaixão, a fé pareciam transfigurar o melancólico vulto de Margarida; dar vida àquelas feições de ordinário serenas; fulgor, àqueles olhos, languidamente cismadores; movimento aos lábios, que de costume a meditação contraía.

A vida latente dessa natureza delicada e sensível revelava-se em ocasiões destas. Como que um raio de luz divina descia então sobre aquela beleza, que a luz da terra iluminava mal.

Sentia-se vontade de ajoelhar diante dela; a alma toda ia nesta contemplação, quase extática.





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