As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 10: X Pág. 60 / 332

um ar de afabilidade e de meiguice tal, que nem avultavam essas pequenas incorrecções, só reveladas a exame minucioso e indiferente; mas a primeira, a grande invencível dificuldade era conservar esta precisa indiferença ao vê-la. Os olhos, sobretudo, negros como poucos, sabiam fixar-se com tanta penetração e bondade, que, só a contemplá-los, esquecia-se tudo o mais.

Não possuía um desses tipos fascinantes que atraem as vistas; era fácil até passar por ela, desatendendo-a; mas, fitada uma vez, o olhar deixava-a com pena, e a memória conservava-a com amor. A boca tomava-lhe naturalmente uma expressão de triste meditar, entreabrindo-se-lhe, de quando em quando, os lábios por uma dessas mais profundas inspirações, que dissimulam um suspiro.

Clara aproximou-se da irmã sem ser pressentida e sentou-se junto dela.

O grupo gracioso, que ambas formavam assim, tentaria qualquer artista que o visse.

A aparência jovial de Clara fazia realçar, pelo contraste, o vulto melancólico de Margarida. Naquela, tudo eram reflexos de desanuviada alegria interior; nesta, difundia-se incessantemente uma dessas meias sombras, como as que produzem as pequenas nuvens brancas que, sem ofuscar inteiramente a luz do Sol, lhe mitigam contudo um pouco o resplendor dos raios.

Clara tomou as mãos da irmã, sem romper o silêncio.

- Que tens tu, Clara? - perguntou-lhe Margarida. - Não sei que te leio hoje nos olhos. Desconfio que me vais dizer alguma coisa.

- E vou.

- E parece ser de importância, ao que vejo; estás tão séria! - acrescentou Margarida, sorrindo.

- É que é deveras sério e muito sério o que te vou dizer.

- Então?

- Querem-me casar.

- Ah!

- E olha, Guida, eu julgo que o meu noivo é um bom rapaz... mas... sempre queria saber o que tu pensas dele, e se merece a tua aprovação.





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