XX Ao princípio, a substituição desagradou a Daniel, por lhe dissipar umas vagas fantasias, com que tinha vindo; mas Clara não era mulher junto de quem se pudesse sentir por muito tempo a falta de outra.
Daniel, passados alguns minutos, achava-se conformado.
Clara recebeu com um gracejo o novo clínico.
- Olhem quem nos vem! Bem dizia eu ontem: dentro em pouco, ninguém quer já saber do João Semana.
- Devo lembrar-lhe, Clarinha, que é à força quase que eu venho aqui, porque não houve quem tivesse a ideia de me mandar chamar - replicou Daniel, sorrindo. - Não lhe disse eu que as raparigas seriam fiéis ao João Semana? Veja: nem a Clarinha nem a mana se lembraram de mim, sendo eu da família quase.
- Bem vê que pouco se lhe poderia prometer - respondeu Clara, lançando para a humilde mobília do quarto um olhar expressivo.
- Nem a recompensa da consciência, que sua irmã prometia a João Semana?
- Com franqueza lho digo: eu por mim tinha-me lembrado de o chamar, tinha; mas a Guida é que não quis.
- E porque não quis sua irmã?
- Eu sei lá? Eu já não estou costumada a perguntar a razão por que ela diz isto ou aquilo. Para quê? Afinal de contas, não sei fazê-la mudar de tenção.
- Então é assim teimosa?
- Teimosa? Não, credo; mas é que depois de falar com ela... não sei como isto é... eu sou que mudo sempre. Mas, já que veio, entre; aqui tem o nosso doente.
E, dando ao gesto a expressão da desesperança, acrescentou, baixando a voz e suspirando:
- Isto!... Coitado...
O doente era o velho, que já conhecemos, agora de todo prostrado por uma caquexia, infalivelmente mortal.
Realizara-se o seu pressentimento. Vida... só lhe restava para agradecer com o olhar, mais já do que com palavras, os cuidados, quase filiais, de que as duas raparigas o rodeavam.