XXXI Uma tarde, estavam as duas irmãs a trabalhar, à janela do lado da rua.
A luz do Sol apenas dourava já os cimos dos montes mais elevados e longínquos. Aproximavam-se as horas, às quais Daniel costumava passar ali.
Já por mais de uma vez dirigira Clara a vista para o caminho que ele ordinariamente seguia; era uma vereda íngreme e tortuosa, que vinha do alto da colina à planura, onde estava situada a casa, e daí descia ao vale - centro principal do povoado.
Porém, sempre que os olhares de Clara tomavam aquela direcção, encontravam-se com os da irmã e instintivamente se abaixavam logo.
Margarida não estava também tranquila aquela tarde. Em toda a fisionomia dela, em todos os gestos e palavras denunciava-se, por sinais evidentes, um violento desassossego interior.
De quando em quando, voltava-se para Clara, como se resolvida a falar-lhe, a comunicar-lhe alguma coisa que a preocupava; mas, num momento, parecia abandoná-la a resolução, e permanecia silenciosa.
O estado de espírito duma e doutra mal lhes permitia sustentar a conversa, a qual procedera frouxa e interrompida, a todo o instante, por frequentes pausas.
Duma vez, porém, a impaciência de Clara, ao observar o caminho, por onde era de esperar Daniel, desenhou-se-lhe tão expressiva na fisionomia, que isto deu ânimo a Margarida para vencer a hesitação, com a qual lutara até ali. Fixando a vista na costura em que trabalhava, principiou dizendo, em tom de gracejo:
- É na verdade uma pena, Clara, que tu, que tens tão bonitos olhos, teimes em os trazer assim fechados.
- Fechados! Que queres tu dizer, Guida?
- Que os fechas para muita coisa, que é sempre perigoso não ver, filha.
- Não te entendo - disse Clara sorrindo.
Margarida prosseguiu:
- Mas isso é génio teu.