Mas, previa-o há muito tempo, se me encontrar com uma destas naturezas superiores, para as quais nunca se extingue o resplendor que as rodeia, há-de fixar-se este coração volúvel, e não haverá para elas o risco, de que das minhas afeições lhes possam resultar lágrimas.
- E conclui daí? - perguntou o padre no mesmo tom, quase zombeteiro, em que sustentava o diálogo.
- Que Margarida nada podia recear do meu amor. Eu, que duvidava já que viesse a amar seriamente, porque me julguei superior a todo o predomínio, hoje...
- Hoje, mudou de opinião.
- E mudei, creia-o. Nunca me conheci assim. Ainda antes de a ver, quando da sala imediata a estivemos escutando, não sei porquê, sentia, ao ouvi-la, reviver todo o meu passado, a parte mais pura dele.
- Sei eu - resmoneou para si o reitor.
- Depois que a vi, foram sensações novas para mim, as que experimentei. Eu, que por tantas vezes e a sorrir tenho dado passos na vida, que fazem recear os mais audazes; eu que, para ser arrojado, não careci nunca do forte impulso duma paixão, pois me bastava o simples estímulo dum capricho; hesitei há pouco, como viu, ao fazer a proposta a que o dever e o coração me impeliam, hesitei de timidez, como se fosse um sacrilégio da minha parte. Depois, ao receber aquela recusa, pareceu-me sentir escurecer-se-me o futuro e, pela primeira vez na minha vida, senti-me desalentado com este mau êxito, em lugar de encontrar nele incitamento para persistir, como tantas vezes o tinha encontrado.
- Desconfie dessas impressões súbitas e violentas, desconfie.
Margarida tem razão. Eu próprio já me não atreveria a aconselhar- -lhe o contrário. É melhor deixarmo-nos guiar pelas inspirações daquela alma de anjo.
- Mas se eu a amo?
- Paixão de quinze dias! - disse o reitor, encolhendo os ombros.