XLI Havia na sala grande obscuridade e um silêncio profundo.
Parando, até habituar a vista àquela pouca luz, Margarida chamou, a meia voz, a mulher, a quem ela e sua irmã pagavam para tratar do doente.
Ninguém lhe respondeu.
- Pois teria a crueldade de o deixar assim, neste estado! - pensou Margarida.
E apertava-se-lhe o coração só com a lembrança de tal abandono.
- Maria! - repetiu, elevando a voz.
O mesmo silêncio em resposta.
- Só! coitado!... Só! Que coração o desta gente, meu Deus!
E, com as lágrimas nos olhos, encaminhou-se para a alcova.
Guiava-a o respirar ansioso do enfermo. Mais acostumada já à obscuridade da sala, conseguiu Margarida aproximar-se do leito, em que ele jazia.
Com a solicitude de filha, inclinou-se a observar o estado do pobre velho; e dando às suas palavras aquela inflexão carinhosa, que é o segredo sabido das mulheres ao velarem por um doente estremecido, disse-lhe, unido quase o rosto ao rosto macilento do moribundo:
- Deixaram-no aqui só? Como se sente? Dormia talvez, e eu vim acordá-lo.
E, ao examinar-lhe assim de perto as feições, estremecia de susto.
Naquela palidez, naquele olhar, no movimento dos lábios entreabertos, havia de facto uma significação de assustar.
- Então não se acha melhor? - repetiu Margarida no mesmo tom de voz e limpando-lhe compassiva a fronte, da qual um suor frio corria em abundância.
O velho volveu para ela um olhar que, apesar de amortecido, reflectia ainda bem evidente a mais viva expressão do seu entranhado afecto e, por um movimento de cabeça, respondeu negativamente à pergunta.
- Coitado! - prosseguia Margarida, ajeitando-lhe a roupa do leito. - Padece muito, não padece?
O doente moveu os lábios como para articular algumas palavras, mas tão sumido lhe saía já o som, que não se podia distinguir dum suspiro.