- Então já sabe que o padre Custóias é que prega este ano o sermão da Senhora do Amparo? - disse João da Esquina, que sempre que perguntava o que ia de novo, é porque tinha alguma coisa a responder.
- Sim? - exclamou com afectada admiração José das Dornas, a quem, naquele momento, a notícia importava muito mediocremente.
- É verdade. E a filarmónica é que vai tocar.
- Então a festa é de espavento!
- A confraria tem no cofre perto de cem mil réis.
- Está feito!
- E diga-me, Sr. José, que lhe parece da pega do nosso reitor com os do Amparo? Não acha que é um despotismo?
- Eu sei? Olhadas as coisas de certo modo, o homem não deixa de ter alguma razão.
- O quê, senhor, o quê? - exclamou indignado o merceeiro. - Não tem razão nenhuma. Não me diga isso. Ora... pois fale verdade.
De quem é a cera das promessas, que fazem à Senhora? Não é dela? A quem compete então o direito de a vender? À confraria, que é a sua procuradora. Isso é claro como água.
- Pois sim... não digo menos disso... mas... os direitos paroquiais...
enfim, não sei, não sei - murmurava José das Dornas, ansioso por dar de mão ao assunto, sobredelicado para ele, que tinha amizades nos dois partidos, muito fora do seu propósito naquela ocasião.
- Que direitos, que direitos! tortos lhe chamo eu. Eu bem sei o que aquilo é... Lembra-se do que o reitor de Cisnande fez aos do Mártir? pois temos outra aqui.
- Homem - insistia José das Dornas, deveras impaciente por não ver aproximar-se a conversa do tópico desejado, antes afastando- se cada vez mais dele. - Não diga isso do Padre António; você bem sabe que o quinhão do nosso reitor é o quinhão dos pobres. Mas... eu dessas coisas não entendo, nem quero entender; parece-me contudo que era bom que andassem nisso com prudência e aconselhados por quem possa dizer alguma coisa a tal respeito.