Na horta, em vez de couves, cenouras, rabanetes, ervilhas e melões, crescem grandes luzernas, única cultura reveladora de que aquele lugar abandonado ainda não está esquecido. Uma portinha baixa que dá para a rua projectada permite a entrada no recinto murado, que os seus arrendatários acabam de abandonar devido à sua esterilidade e que há oito dias, em vez de render 1,5%, como no passado, já não rende absolutamente nada.
Do lado do palácio, os castanheiros de que falámos coroam o muro, o que não impede outras árvores luxuriantes e floridas de introduzir nos intervalos os seus ramos ávidos de ar. Num canto em que a folhagem é de tal forma abundante que a luz mal ali penetra, um comprido banco de pedra e cadeiras de jardim indicam um lugar de reunião ou um retiro favorito de qualquer habitante do palácio, situado a cem passos e que mal se vê através da muralha de verdura que o envolve. Enfim, a escolha daquele recanto misterioso é ao mesmo tempo justificada pela ausência do sol, pela frescura permanente, mesmo durante os dias mais quentes do Verão, pelo chilreal da passarada e pelo afastamento da casa e da rua, isto é, dos problemas domésticos e do barulho.
Na tarde de um dos dias mais quentes que até ali a Primavera concedera aos habitantes de Paris, encontrava-se em cima do banco de pedra um livro, uma sombrinha, um cesto de costura e um lenço de cambraia de linho com um bordado começado; e não longe do banco, junto do portão, de pé diante das tábuas, com o olho aplicado à vedação engradada, estava uma jovem, que espreitava por uma fenda a horta deserta que já conhecemos.
Quase imediatamente, a portinha do terreno fechava-se sem ruído e um rapaz alto, forte, de blusa de pano-cru e barrete de veludo, mas cujos bigodes pretos extremamente cuidados destoavam um bocado da vestimenta popular, depois de olhar rapidamente à sua volta para se certificar de que ninguém o espiava, dirigia-se com passo rápido para o portão.
Ao ver aquele que esperava, mas não provavelmente assim vestido, a jovem teve medo e recuou.
Entretanto, porém, o rapaz, com esse olhar que só os namorados possuem, já vira através das fendas da porta flutuar o vestido branco e a comprida faixa azul da amada. Assim, correu para a vedação, aplicou a boca a uma abertura e disse:
- Não tenha medo, Valentine, sou eu.
A jovem aproximou-se.
- Oh, senhor, porque veio hoje tão tarde? - perguntou. - Não sabe que em breve vamos jantar e que precisei de muita diplomacia e rapidez para me desembaraçar da minha madrasta, que me espia, da minha criada de quarto, que me vigia, e do meu irmão, que me atormenta por vir bordar para aqui um lenço que receio muito não esteja pronto tão cedo? Depois de justificar o seu atraso, dir-me-á que novo traje é esse que resolveu usar e que quase me não permitiu reconhecê-lo.