O Conde de Monte Cristo - Cap. 51: Píramo e Tisbe Pág. 497 / 1080

Na horta, em vez de couves, cenouras, rabanetes, ervilhas e melões, crescem grandes luzernas, única cultura reveladora de que aquele lugar abandonado ainda não está esquecido. Uma portinha baixa que dá para a rua projectada permite a entrada no recinto murado, que os seus arrendatários acabam de abandonar devido à sua esterilidade e que há oito dias, em vez de render 1,5%, como no passado, já não rende absolutamente nada.

Do lado do palácio, os castanheiros de que falámos coroam o muro, o que não impede outras árvores luxuriantes e floridas de introduzir nos intervalos os seus ramos ávidos de ar. Num canto em que a folhagem é de tal forma abundante que a luz mal ali penetra, um comprido banco de pedra e cadeiras de jardim indicam um lugar de reunião ou um retiro favorito de qualquer habitante do palácio, situado a cem passos e que mal se vê através da muralha de verdura que o envolve. Enfim, a escolha daquele recanto misterioso é ao mesmo tempo justificada pela ausência do sol, pela frescura permanente, mesmo durante os dias mais quentes do Verão, pelo chilreal da passarada e pelo afastamento da casa e da rua, isto é, dos problemas domésticos e do barulho.

Na tarde de um dos dias mais quentes que até ali a Primavera concedera aos habitantes de Paris, encontrava-se em cima do banco de pedra um livro, uma sombrinha, um cesto de costura e um lenço de cambraia de linho com um bordado começado; e não longe do banco, junto do portão, de pé diante das tábuas, com o olho aplicado à vedação engradada, estava uma jovem, que espreitava por uma fenda a horta deserta que já conhecemos.

Quase imediatamente, a portinha do terreno fechava-se sem ruído e um rapaz alto, forte, de blusa de pano-cru e barrete de veludo, mas cujos bigodes pretos extremamente cuidados destoavam um bocado da vestimenta popular, depois de olhar rapidamente à sua volta para se certificar de que ninguém o espiava, dirigia-se com passo rápido para o portão.

Ao ver aquele que esperava, mas não provavelmente assim vestido, a jovem teve medo e recuou.

Entretanto, porém, o rapaz, com esse olhar que só os namorados possuem, já vira através das fendas da porta flutuar o vestido branco e a comprida faixa azul da amada. Assim, correu para a vedação, aplicou a boca a uma abertura e disse:

- Não tenha medo, Valentine, sou eu.

A jovem aproximou-se.

- Oh, senhor, porque veio hoje tão tarde? - perguntou. - Não sabe que em breve vamos jantar e que precisei de muita diplomacia e rapidez para me desembaraçar da minha madrasta, que me espia, da minha criada de quarto, que me vigia, e do meu irmão, que me atormenta por vir bordar para aqui um lenço que receio muito não esteja pronto tão cedo? Depois de justificar o seu atraso, dir-me-á que novo traje é esse que resolveu usar e que quase me não permitiu reconhecê-lo.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069