Capítulo CIX – Expiação O Sr. de Villefort vira abrirem-se diante de si as fileiras da multidão, por mais compacta que esta fosse. As grandes dores são de tal respeitáveis que não há exemplo, mesmo nos tempos mais calamitosos, de a primeira reacção de uma multidão não ter sido de simpatia perante uma grande catástrofe. Muitas pessoas odiadas têm sido assassinadas no meio de motins; raramente um desventurado, ainda que criminoso, foi insultado pelos homens que assistiam à sua condenação à morte.
Villefort atravessou portanto as alas de espectadores, guardas e funcionários do Palácio da Justiça, e retirou-se, reconhecido culpado por via da sua própria confissão, mas protegido pela sua dor.
Há situações de que os homens têm instintivamente consciência, mas que não podem comentar com a inteligência; o maior poeta, neste caso, é aquele que solta o grito mais veemente e natural. A multidão toma esse grito como se fosse um relato completo, e tem razão em contentar-se com ele, e mais razão ainda em o achar sublime quando é verdadeiro.
De resto, seria difícil dizer em que estado de alheamento se encontrava Villefort ao sair do Palácio da Justiça, descrever a febre que lhe fazia pulsar cada artéria, lhe retesava cada fibra, lhe intumescia, a ponto de quase a rebentar, cada veia e lhe dissecava cada ponto do corpo mortal em milhões de sofrimentos.
Villefort arrastou-se ao longo dos corredores guiado apenas pelo hábito. Arrancou dos ombros a toga magistral, não por ver conveniência em tirá-la, mas sim porque lhe pesava como um fardo esmagador, porque era uma túnica de Nesso, fértil em torturas.
Chegou cambaleante ao Pátio Dauphine, viu a sua carruagem, acordou o cocheiro ao abrir pessoalmente a portinhola, deixou-se cair nas almofadas e indicou com o dedo a direcção do Arrabalde de Saint-Honoré. O cocheiro partiu.
Todo o peso do seu êxito em ruínas acabava de lhe desabar em cima da cabeça; esse peso esmagava-o, e ignorava com que consequências. Não as calculara; sentia-as, mas não interpretava o seu código como o frio assassino que comenta um artigo conhecido.
Tinha Deus no fundo do coração.
- Deus! - murmurava sem saber sequer o que dizia. - Deus! Deus! Só via Deus atrás da derrocada que acabava de se verificar.
A carruagem rodava velozmente. Sacudido nas almofadas, Villefort sentiu qualquer coisa magoá-lo.
Levou a mão ao objecto: era um leque esquecido pela Sr.ª de Villefort entre o assento e o encosto da carruagem O leque lembrou-lhe uma coisa, e essa lembrança foi como que um relâmpago no meio da noite.
Villefort lembrou-se da mulher...