O Conde de Monte Cristo - Cap. 71: O pão e o sal Pág. 669 / 1080

- Conheço-o, minha senhora - respondeu o conde. - Mas estamos em França e não na Arábia, e em França não existe nem amizade eterna nem partilha do sal e do pão.

- Mas, enfim - disse a condessa, palpitante, sem tirar os olhos de Monte-Cristo, cujo braço apertava convulsivamente com ambas as mãos -, nós somos amigos, não é verdade?

O sangue afluiu ao coração do conde, que se tornou pálido como um morto, e depois subiu-lhe do coração à garganta e invadiu-lhe as faces, e os seus olhos vogaram no nada durante alguns segundos, como os de um homem fascinado.

- Claro que somos amigos, minha senhora - replicou. - Aliás, porque o não seriamos? Este tom estava tão longe do que desejaria a Sr.ª de Morcerf que ela se virou para deixar escapar um suspiro, que mais parecia um gemido.

- Obrigada - disse, e recomeçou a andar.

Deram assim a volta ao jardim sem pronunciarem uma só palavra.

- Senhor - disse de súbito a condessa, depois de dez minutos de passeio silencioso -, é verdade que tem visto muito, viajado muito e sofrido muito?

- Sim, minha senhora, é verdade que tenho sofrido muito - respondeu Monte-Cristo.

- Mas agora é feliz?

- Sem dúvida, pois ninguém me ouve queixar - respondeu o conde.

- E a sua felicidade presente adoça-lhe a alma?

- A minha felicidade presente iguala a minha miséria passada.

- Não casou? - perguntou a condessa.

- Eu, casar? - respondeu Monte-Cristo, estremecendo. - Quem lhe disse isso?

- Ninguém mo disse, mas têm-no visto acompanhar várias vezes à ópera uma jovem muito bonita.

- É uma escrava que comprei em Constantinopla, minha senhora, a filha de um príncipe de quem fiz minha filha e que não tem outra afeição no mundo.

- Portanto vive só?

- Sim, vivo só

- Não tem irmã... filho... pai?...

- Não tenho ninguém

- Como pode viver assim, sem nada que o prenda à vida?

- A culpa não é minha, senhora. Em Malta amei uma rapariga e ia casar com ela quando veio a guerra e me levou para longe dela como um turbilhão. Julgava que me amasse o suficiente para me esperar, para permanecer fiel até à minha sepultura, mas quando regressei estava casada. É a história de todo o homem que passou a idade dos vinte anos. Eu tinha talvez o coração mais fraco do que os outros e por isso sofri mais do que eles sofreriam no meu lugar, foi só isso.

A condessa parou um momento, como se necessitasse desse alto para respirar.

- Sim, e esse amor ficou-lhe no coração... - disse. - Só se ama uma vez... E alguma vez tornou a ver essa mulher?

- Nunca.

- Nunca?

- Nunca mais voltei ao país onde ela vivia.

- A Malta?

- Sim, a Malta.

- Ela era então de Malta?

- Creio que sim.





Os capítulos deste livro

Marselha - A Chegada 1 O pai e o filho 8 Os Catalães 14 A Conspiração 23 O banquete de noivado 28 O substituto do Procurador Régio 38 O interrogatório 47 O Castelo de If 57 A festa de noivado 66 Os Cem Dias 89 O número 34 e o número 27 106 Um sábio italiano 120 A cela do abade 128 O Tesouro 143 O terceiro ataque 153 O cemitério do Castelo de If 162 A Ilha de Tiboulen 167 Os contrabandistas 178 A ilha de Monte-Cristo 185 Deslumbramento 192 O desconhecido 200 A Estalagem da Ponte do Gard 206 O relato 217 Os registos das prisões 228 Acasa Morrel 233 O 5 de Stembro 244 Itália - Simbad, o marinheiro 257 Despertar 278 Bandidos Romanos 283 Aparição 309 A Mazzolata 327 O Carnaval de Roma 340 As Catacumbas de São Sebastião 356 O encontro 369 Os convivas 375 O almoço 392 A apresentação 403 O Sr. Bertuccio 415 A Casa de Auteuil 419 A vendetta 425 A chuva de sangue 444 O crédito ilimitado 454 A parelha pigarça 464 Ideologia 474 Haydée 484 A família Morrel 488 Píramo e Tisbe 496 Toxicologia 505 Roberto, o diabo 519 A alta e a baixa 531 O major Cavalcanti 540 Andrea Cavalcanti 548 O campo de Luzerna 557 O Sr. Noirtier de Villefort 566 O testamento 573 O telégrafo 580 Meios de livrar um jardineiro dos ratos-dos-pomares que lhe comem os pêssegos 588 Os fantasmas 596 O jantar 604 O mendigo 613 Cena conjugal 620 Projetos de casamento 629 No gabinete do Procurador Régio 637 Um baile de Verão 647 As informações 653 O baile 661 O pão e o sal 668 A Sra. de Saint-Méran 672 A promessa 682 O jazigo da família Villefort 705 A ata da sessão 713 Os progressos de Cavalcanti filho 723 Haydée 732 Escrevem-nos de Janina 748 A limonada 762 A acusação 771 O quarto do padeiro reformado 776 O assalto 790 A mão de Deus 801 Beauchamp 806 A viagem 812 O julgamento 822 A provocação 834 O insulto 840 A Noite 848 O duelo 855 A mãe e o filho 865 O suicídio 871 Valentine 879 A confissão 885 O pai e a filha 895 O contrato 903 A estrada da Bélgica 912 A estalagem do sino e da garrafa 917 A lei 928 A aparição 937 Locusta 943 Valentine 948 Maximilien 953 A assinatura de Danglars 961 O Cemitério do Père-lachaise 970 A partilha 981 O covil dos leões 994 O juiz 1001 No tribunal 1009 O libelo acusatório 1014 Expiação 1021 A partida 1028 O passado 1039 Peppino 1049 A ementa de Luigi Vampa 1058 O Perdão 1064 O 5 de Outubro 1069