A Queda de um Anjo - Cap. 25: Capítulo 25 Pág. 143 / 207

Fez uma breve pausa, e prosseguiu:

— V. Exa. deu largas à sua alma: consinta que eu seja avaro do prazer de uma expansão.

— Porque não há-de sê-lo? — acudiu D. Ifigénia, interessada na comovente história.

— Não sei o que é felicidade. Tenho quarenta e quatro anos, e ainda não vi uma aurora benigna. Muitos anos procurei aturdir-me no estudo. Roía-me o abutre de um desejo vago; mas eu, que me segregara do mundo para o esconderijo da minha biblioteca, se às vezes passava de relance entre mulheres, que poderiam espertar-me paixões, fitava nelas como idiota que perdeu a memória da terra natal, e se queda espantado das coisas que ligeiramente lhe espertam a lembrança. Se alguma vez me colheu de sobressalto algum sentimento estranho de afecto, podia tanto comigo a consciência da sujeição ao dever, que o mesmo era cerrar os ouvidos da alma ao que quer que era, entidade dupla, que me segredava delícias de uma vida incógnita. Estas breves e poucas pelejas, com o discorrer dos anos, cessaram. Eu tinha consumado a paralisia do coração, e chamado sobre mim os hábitos da velhice. A minha vinda para Lisboa foi o ressurgimento da vida, sepultada antes de haver consciência de si. Achei-me entre homens, aquecidos à luz deste século. Na atmosfera desta cidade há perfumes que vaporam do coração das esposas amadas, das amantes queridas, das pombas ideais, que volteiam à volta dos espíritos anelantes de cada homem. Pulou-me como arfar de vulcões a vida no peito. Vi-me no passado, e tive pesar, e saudade, e pejo da minha mocidade…





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