Assanhou o abade de Estevães o azedume do fidalgo, dizendo-lhe que o Estado subsidiava o teatro de S. Carlos com vinte contos de réis anuais. Calisto fez pé atrás, e exclamou:
— Obstupui!… O abade zomba!… O Estado!… O meu colega disse o Estado!
— Sim, o tesouro… — confirmou o clérigo.
— A res publica? o dinheiro da Nação?
— Certamente: pois de quem há-de ser o dinheiro, senão da Nação?
— Pois eu e os meus constituintes estamos pagando para estas cantilenas do teatro de Lisboa!
— Vinte contos de réis.
Calisto Elói correu a mão pela fronte humedecida de suor cívico, e sentou-se nas escadas da igreja de S. Roque, porque ao espanto, cólera e dor de alma seguiram-se cãibras nas pernas. Minutos depois, ergueu-se taciturno, despediu-se do abade, e foi para casa.
Os alvores da primeira manhã acharam-no passeando e declamando na estreita saleta do seu aposento. Via-se-lhe no rosto a palidez dos Fabrícios.
Às onze horas entrou na Câmara. Dir-se-ia que entrava Cícero a delatar a conjuração de Catilina. Deu nos olhos dos seus três correligionários que entre si disseram:
— Calisto vai fazer alguma interpelação de grande alcance!
Acabava de sentar-se, quando um deputado do Porto se ergueu e disse:
— Sr. presidente. Muito a meu pesar, e talvez da Câmara, volto de novo a expender as razões já três vezes inutilmente expendidas sobre o dever e justiça com que o Porto reclama um subsídio para o seu teatro lírico. Sr. presidente…
— Peço a palavra! — bradou Calisto Elói, erguendo-se inteiriço e fulminante. — Peço a palavra!