A Queda de um Anjo - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 81 / 207

Parou diante da livraria, tirou de entre os poetas clássicos o dilecto António Ferreira, sentou-se, abriu à sorte, e leu, declamando os dois quartetos do soneto V:

Dos mais fermosos olhos, mais fermoso Rosto, qu’entre nós há, do mais divino Lume, mais branca neve, oiro mais fino, Mais doce fala, riso mais gracioso:

Dum Angélico ar, de um amoroso Meneo, de um spírito peregrino S’acendeu em mim o fogo, de qu’indino Me sinto, e tanto mais assi ditoso.

Repetiu, fez pausa, suspirou, e declamou ainda o primeiro verso do terceto:

Não cabe em mim tal bem-aventurança!

Nisto, a imagem de sua prima e esposa D. Teodora Figueiroa, trazida ali por decreto do alto, antepôs-se-lhe aos olhos enleados na imagem de Adelaide. Calisto estremeceu de puro pejo de sua fraqueza, e lançou mão da última carta que recebera de sua saudosa mulher. Rezava assim, escrita por mão de uma filha do boticário de Caçarelhos, com ortografia mais imaginosa que a minha:

«Meu amado Calisto. Cá soube pelo mestre-escola que tens botado algumas falas nas Cortes, e que tens muita sabedoria. O Sr. abade já cá veio ler-me um pedaço do teu dito, e oxalá que seja para bem da religião. Olha se botas abaixo as décimas, que é o mais necessário. Aqui veio um padre de Miranda para tu o despachares para abade; e o regedor também quer que tu lhe arranjes um hábito de Cristo para ele, e uma pensão para a tia Josefa, que é viúva de um sargento de milícias de Mirandela. Assim que arranjares isso, manda para cá.





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