A Queda de um Anjo - Cap. 15: Capítulo 15 Pág. 82 / 207

Saberás que mandei trocar os dois barrosãos à feira dos onze, e comprei vacas de cria. Os cevados não saíram de boa casta, e acho que será bom trocá-los na feira dos dezanove. A porca ruça teve dez leitões ontem de madrugada. E, com isto, olha se isso lá acaba depressa, que eu ando por cá triste e acabrunhada de saudades. Na semana que passou andei mal das reins, e muito despegada do peito. Hoje vou ver medir seis carros de centeio, que vão para a feira, por isso não te enfado mais. Desta tua mulher muito amiga, Teodora.»

Por mais que recolhesse o espírito vagabundo, Calisto não dava tento destes dizeres de Teodora, encantadores de simplicidade e boa governança de casa. Arrumou a carta, reabriu o seu António Ferreira, e leu no soneto XXXIII:

Eu vi em vossos olhos novo lume Qu’apartando dos meus a névoa escura, Viram outra escondida fermosura, Fora da sorte e do geral costume…

Ó bell’alma innamorata!

Deitou-se por desoras, e dormitou sobressaltado. Antemanhã espertou com as alvoradas de uns pintassilgos e calhandras, que lhe cantavam amorosamente na alma. Eram as alegrias do primeiro amor, aqueles momentos de céu, visita dos anjos, que todo o coração hospedou na infância, na virilidade, ou já na decadência da vida. Saiu alegre do leito, e leu algumas líricas de Camões e Filinto Elísio.

Nunca em sua vida poetara Calisto Elói de Silos. O amor não lhe havia dado o beliscão suavíssimo que, por vezes, abre torrentes de metro da veia ignorada. Eis que o corisco da inspiração lhe vulcaniza o peito. Levanta maquinalmente a mão à fronte, como a palpar a excrescência febril que todo o poeta apalpa no conflito sublimado do estro.





Os capítulos deste livro